Blog da Mota: Gaivota em terra

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Gaivota em terra

Um olhar pela janela é solto, um suspiro incerto é expresso por uma respiração em duvida de subserviência, o tempo esta feio, por mais quanto tempo, por quanto mais este vai exprimir o sentimento duvido, a presença da escuridão numa vida a qual as lágrimas caem intensamente numa terra que não aguenta mais a magoa que a vai deixar estéril.
Através da janela do meu quarto vejo aquela gaivota te que se tenta resguardar em terra, que tenta a qualquer custo chegar ao ninho, onde sabe que ali esta segura, quente e protegida, mas o vento impiedoso, cortante e gélido, faz com que esta ave espantosa, corajosa, esbelta em todo o seu significado e expressão, não se mova, o vento torna imóvel, e esta paira no ar, impossibilitada de chagar ao seu porto seguro.
Deitado na minha cama, no mesmo local onde eu e tu nos deitamos, e contemplamos o mesmo cenário, sem repararmos que nos braços um do outro seríamos eternamente felizes, observamos a mesma gaivota a voar livremente, para junto do seu ninho para junto do seu porto de abrigo.
Hoje, sozinho, envolto num frio perturbador, tento me agasalhar nos lençóis em que tocas-te, que o teu corpo deixou o seu aroma que ao final de tanto tempo ainda permanece, quanto mais me afundo nestes lençóis, mais frio tenho, mais fundo caio, num precipício o qual não vejo o seu final, apenas me tento agarrar em recordações que já não sei distinguir entre o real e a ficção.
As memorias, essas vão surgindo ao longo dos acordes, ao longo de pequenos sons que vou ouvindo, cada nota que a guitarra imana, é como se fosse um pedaço de ti que me estivesse a tocar, que posso fazer, sou apaixonado por música e memorias, lentamente estas duas consomem-me, lentamente as duas se tornam menos nítidas, e a cada dia que passa sou embriagado, e todos os dias me volto apaixonar por cada uma delas.
Seria uma mentira tão grande dizer que te esqueci, mas também seria outra grande mentira dizer que ainda te amo, ou talvez não, o vazio que sinto dentro de mim não se preenche, nem mesmo os acordes da guitarra, a luz da lua, nem mesmo as memorias me preenchem, vivo o passado com nostalgia do presente, e por doloroso que seja, o futuro ainda não faz parte desta dança, o qual este vazio faz questão que seja dançada apenas a dois.
É tão patético o que tenho visto nos últimos dias, pessoas, maravilhadas com um novo ano, dizem que as suas vidas serão novas que todo será melhor, diferente, mas nada muda, absolutamente nada, para mim não passa de mais uma dia normal, onde as pessoas normais, têm um motivo para festejar não sei o quê, festejar ou pelo menos desejar algo melhor das vidas as quais eles próprios estão cansados de ter.
Ao ver a gaivota a pairar no ar tão bem eu sou invadido por esse sentimento deprimente de rever o ano anterior, e como a dança continua, vejo o teu rosto aparecer de novo, sorris me docemente, um sorriso o qual não consigo apagar, um sorriso que me trás de volta um misto de sentimentos os quais me revolto de ainda sentir.
A felicidade que os teus lábios transbordavam, de quando nos podíamos tocar sem reserva, onde podíamos expressar os nossos pensamentos livremente, pois ali no nosso mundo éramos intocáveis.
Quase consigo adivinhar a reacção das pessoas que me conhecem, e que me pedem para seguir enfrente, como eu ironicamente a conselho os outros a seguir, mas preciso de escrever, como outros necessitam de tocar guitarra, este é o meu escape, por muito que a música me proteja, esta traz-me sempre de volta o rosto da pessoa que mais mexeu no meu mundo, e que apesar da distancia, ainda o põe de pernas para o ar.
Ao som de Radiohead, John Frusciante, Nirvana, Incubus, Jeff Buckley, Jimmy Hendrix, Led Zepplin, Bossa Nova, Ben Harper, Dealema, Mundo, Bob Dylan, Carlos Paredes, David Fonseca, Foo Fighters, Ornatos violeta, The Withe Stripes, Yellowcard, Queens of the Stone Age, ACDC, Aesop Rock, Arctic Monkeys, e tantos outros que marcaram a minha vida, uma vida repleta de surpresas, repleta de arte por vezes obscura, leituras duvidosas, experimentando os mais estranhos e controversos sons da música, ano após ano, duvida após duvida, Música atrás de Música.
Sem nunca tirar os olhos da gaivota que se bate com o vento de Inverno, este tira-lhe lentamente a vontade de viver, tira-lhe a possibilidade de voltar o seu ninho, seu porto seguro.
E numa fracção de segundo, o seu coração deixa de bater, e ela cai majestosamente para o desconhecido, sem aviso prévio, morre, sem ter chegado ao seu ninho, sem se sentir finalmente no seu mundo.
Enrosco-me mais nos lençóis, sinto o teu aroma, vejo de novo teu sorriso, mas cada vez se torna mais ofuscado, como se as luzes se apagassem, e sou invadido por um clarão de luz, olho pela janela e o vento parou, as nuvens começam a abrir, o teu sorriso desapareceu, e os acordes da guitarra devolvem mais uma vez o meu êxtase, sorrio por que sei que o vazio começa a desaparecer, é lento mas esta a desaparecer.

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